O Segredo do Meu Marido - Liane Moriarty

Liane Moriarty é uma escritora australiana, mundialmente conhecida pelas suas diversas obras, sendo a mais famosa “Pequenas Grandes Mentiras”, que se tornou uma série premiada do canal HBO. O caminho natural para conhecer a autora seria começar lendo seu livro mais divulgado, certo? Pois foi exatamente o que eu não fiz, e confesso que tive uma grande satisfação em ler “O Segredo do Meu Marido”, obra anterior ao seu maior sucesso até hoje. Este é um livro de fortes personagens, que explora as diversas camadas em que nos protegemos e guardamos nossos segredos mais íntimos, e os efeitos em uma vida. 


Em uma entrevista, Moriarty revelou ter se inspirado em um artigo, chamado “Dez Confissões no Leito de Morte”, em que pessoas relatam seus segredos nos últimos momentos de vida, em um misto da necessidade de se libertarem da culpa, bem como do desejo de compartilharem algo que lhes sufocou a vida inteira.

Nessa obra, a história é desenvolvida por meio do ponto de vista de três mulheres na cidade de Sidney - Austrália, distantes inicialmente, mas que se cruzarão ao longo da narrativa.

A linha principal está nos acontecimentos ligados a Cecilia Fitzpatrick, esposa exemplar, mãe de três filhos, consultora bem-sucedida de vendas da Tupperware, líder comunitária e casada com o marido ideal, John-Paul Fitzpatrick. Cecilia é uma mulher aparentemente realizada e com a vida sonhada por todos, até encontrar acidentalmente, no sótão da casa, uma carta destinada a ela por seu marido, com a escrita: “Para ser aberto apenas na ocasião da minha morte”. Após hesitar por diversos dias, ela decide abrir a carta e, a partir de então, sua vida muda, o que lhe forçará a revisar o seu mundo até então perfeito.

Conhecemos Tess O´Leary, no exato instante em que Felicity, sua prima, e Will, seu marido, revelam estar apaixonados. Tess decide sair de Melbourne com seu filho, dirigindo-se a Sidney, para passar um tempo com a mãe e decidir seu futuro.

Acompanhamos também a personagem Rachel Crowley, secretária da escola frequentada pelos filhos de Cecilia e, posteriormente, pelo filho de Tess. Rachel vive sozinha após a morte de seu marido e convive com o trauma da perda da filha, Janie Crowley, assassinada com menos de 18 anos, em um crime não solucionado. 

Em comum, temos três mulheres forçadas a enfrentar situações extremas e sem saber qual caminho trilhar, porém cada vez mais pressionadas ao momento de uma decisão. 

Cecilia é a personagem mais impactada pelas circunstâncias. Ela lida com uma crise familiar, confrontando duramente seu marido, a quem passa a considerar como um estranho. Há um conflito interior forte entre aquele que era seu marido antes da revelação e depois, afetando tudo o que considerava como certo no casamento e na relação com os filhos. Essas questões são muito exploradas por Moriarty, em embates interiores e exteriores de Cecilia, tornando a leitura rica e prazerosa. Temas difíceis são tratados, porém com uma linguagem simples e direta, tornando a leitura ágil e bastante compreensível ao leitor.


Em paralelo, vemos Tess redescobrir prazeres deixados de lado, o que lhe faz questionar sua suposta felicidade no casamento. E observamos como Rachel sofre todos os dias com a lembrança de sua filha e a ausência de justiça, o que lhe causa revolta.

Nesse momento, em que as linhas principais de cada personagem estão definidas, a autora então alterna cada vez mais os capítulos sob o ponto de vista das três mulheres, fazendo cruzamentos sutis entre as personagens em acontecimentos em comum. Essa habilidade de Moriarty de mostrar uma mesma situação de diversas formas torna a escrita coesa e, em um momento chave da história, criará um nível de tensão crescente, em um prenúncio de uma tragédia em câmera lenta, com desdobramentos para diversos personagens, um em especial que é chocante. Com certeza, esse é um dos momentos mais marcantes em minhas leituras recentes.

Todos os conflitos são bem resolvidos, porém fica visível ao final que uma das personagens principais não participa do clímax da história, ficando em um contexto à parte, o que é decepcionante, ao se pensar em todas as amarrações que a autora havia feito até então. Uma solução que conectasse as tramas e cruzasse todos os personagens no ápice da obra teria tornado o resultado final muito superior. As referências frequentes ao Muro de Berlim, estopim bem construído para a descoberta da carta, buscam implicitamente comparar um muro às defesas criadas pelas pessoas, mas se tornam cansativas e poderiam ser reduzidas.

Vale destacar a capa, de uma bela flor que se despedaça, cujo sentido é mais compreensível ao término da leitura. Há beleza ali, a flor ainda existe, porém diferente, e de uma forma irreversível, em um paralelo com a mudança do olhar e do sentimento entre os personagens. 

Ao final, a obra consegue atingir o objetivo de nos fazer refletir sobre a dor daquilo que escondemos, de nos provocar a pensar em nossa postura diante de uma situação similar, e em como podemos nos surpreender com o fato de não sermos tão corretos como imaginávamos. Em meio a tanto sofrimento, o que é melhor para si e para os que amamos, guardar ou revelar um segredo? A verdade sempre deve ser dita? A questão está aberta, e cada um de nós terá uma forma de responder, e de se confrontar com a sua própria moral.

Sabia o motivo daquele pequeno vislumbre de prazer. Era porque tinha tomado uma decisão. Alguma coisa claramente não estava certa. Ela tinha a obrigação moral de fazer algo imoral. Era o menor de dois males. Tinha uma justificativa.

Assim que as garotas tivessem ido para a cama à noite, ela faria o que tivera vontade de fazer desde o início. Abriria aquela maldita carta. 

Nota: 4/5★
Livro no Skoob: O Segredo do Meu Marido

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