O Ódio que Você Semeia - Angie Thomas

Em uma leitura fácil e envolvente, Angie Thomas nos apresenta uma história com uma outra realidade das relações raciais e de toda a complexidade que as envolvem.

Starr é uma jovem negra que vive com os pais e os irmãos no bairro periférico de Garden Heights, um lugar considerado perigoso, violento, dominado por gangues e um antro de drogas. Sua base familiar é sólida, um tanto raro para a região onde vive, por isso, seus pais a incentivam a estudar e pagam um colégio particular, a Williamson Prep, escola majoritariamente branca, onde só há dois alunos negros. Convivendo entre dois mundos quase totalmente opostos, Starr é constantemente desafiada a ter um comportamento “exemplar e perfeito” sob as paredes da escola, o que a faz tentar equilibrar suas relações entre duas realidades bem distintas, porém nada a prepara para a reviravolta que acontece. 


Ao sair de uma festa, em seu bairro, acompanhada de seu melhor amigo de infância, Khalil, eles são parados por um policial branco, após uma abordagem inicial um tanto controversa, o rapaz desce do carro para ser revistado, Starr acha que o amigo também aprendeu as regras ensinadas desde cedo em casa: não discuta com o policial, seja respeitosa, não faça movimentos bruscos e deixe suas mãos SEMPRE à mostra.

Se o jovem também foi ensinado, Starr nunca vai saber, pois após um breve movimento de Khalil, o policial dispara três tiros em suas costas e ele cai morto no asfalto.

Os dias que se seguem são nebulosos, a notícia se espalha além de Garden Heights, mais um jovem negro assassinado nas mãos da polícia. Starr, a única testemunha, vê tudo acontecendo muito rápido, poucos realmente sabem que era ela que acompanhava o jovem, ela é a única pessoa que poderia falar a favor de Khalil, mas o que isso custaria?

De repente os noticiários levantam a ficha de Khalil, informações inconscientes dizem que ele era mais um traficante e apresentava perigo. Já o policial, sempre teve uma carreira exemplar, como não atirar numa situação dessas?

No decorrer das páginas, acompanhamos o verdadeiro drama que permeia a história de Starr, contar sua versão dos acontecimentos, mostrar que há muito mais do que fora apresentado e se expor, mostrar suas origens, as mazelas e cicatrizes trazidas por elas.

Compondo a trama, temos as relações de Starr com sua família, seu pai, Maverick, ex-integrante de gangue, ex-presidiário e atual dono do mercadinho do bairro e a mãe, Lisa, enfermeira, firme e decidida. As relações com suas amigas de Willimson: Hailey e Maya e o complicado relacionamento inter-racial com Chris. As relações raciais que envolvem essas subtramas em determinados momentos convergem em uma intrincada teia de acontecimentos, colocando a protagonista à prova e  mostrando que nem sempre se consegue manter o controle sobre tudo. 

O Ódio que Você Semeia é um young adult que possui muitas características do gênero. Contudo em muitos aspectos traz uma trama inovadora, sobre uma realidade que foge a muitos e busca tratar do tema racial sobre uma outra perspectiva, falando de racismo, racismo estrutural e os estereótipos que o povo negro carrega, de uma maneira acessível e reflexiva, fazendo o leitor se questionar muitas vezes sobre o próprio pensamento condicionado em tentar relativizar mortes e/ou situações de injustiça.

A narrativa em primeira pessoa nos aproxima ainda mais de Starr, porém em certos momentos há uma repetição excessiva, mas tento justificar pela intrincada trama e interpretei como um forte “abalo emocional” da jovem. Por ser uma adolescente que vive entre dois mundos muitos diferentes, mas coexistentes,  ela precisa amadurecer para lidar com isso, porém dada toda a tensão apresentada, algumas atitudes da jovem foram muito infantis para o meu gosto. Por outro lado, engana-se quem pensa que a trama fica soturna durante toda a leitura, a autora consegue intercalar momentos mais descontraídos e temas sérios de forma muito sutil e para os leitores mais antenados, o livro conta com uma série de referências ao universo Geek que vão fazer muitos felizes.

A leitura foi boa, porém tenho ressalvas. Em alguns momentos a autora parece que se perde nas subtramas e foge um pouco do enredo central, tive a impressão que ela queria abraçar o mundo e toda a complexidade das relações de Starr. Apesar de, na vida real, lidarmos com diversas situações o tempo todo, Angie Thomas poderia ter optado por algumas questões para dar maior aprofundamento na história, não faria mal. 

Mesmo com a polêmica sobre a temática e as diferenças entre Brasil e Estados Unidos é possível fazer uma analogia sem muito esforço. A história faz muito sentido para mim, consigo me enxergar em Starr em diversos momentos, principalmente nessas questões que envolvem transição de lugares e a inserção de duas perspectivas bem distintas.

Em uma época na qual se questionam sistemas de opressão, O Ódio que Você Semeia se torna uma leitura que busca dialogar com as diferentes realidades e fazer com o que saiamos das tais “zonas de conforto” e faz com que se reflita sobre os nossos próprios pré-conceitos. Aliás, o título do livro é excelente e a explicação para ele melhor ainda, usando a ressignificação de THUG LIFE (Br: Vida Loka/Vida Bandida) para os dizeres de Tupac: THE HATE U GIVE. Vale a pena conferir!

Ah o filme ganhou uma adaptação para o cinema que já estreou nos EUA, com Amandla Stenberg (a Rue de Jogos Vorazes e Maddie a Tudo e Todas as Coisas), mas chega em terras tupiniquins em 06 de dezembro. Ansiosa para o filme!

Nota: 4/5★
O Livro no Skoob: O Ódio que Você Semeia

Nós deixamos as pessoas dizerem coisas, e elas dizem tanto que se torna uma coisa natural para elas e normal para nós. Qual é o sentido de ter voz se você vai ficar em silêncio nos momentos que não deveria?

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