Guerra do Velho - John Scalzi

A história da humanidade é uma jornada de ascensão e queda de civilizações. Muitas batalhas foram travadas, motivadas em grande parte pela pura cobiça e, em um nível mais profundo, pela constante necessidade de expandir as fronteiras do próprio homem e alcançar o desconhecido. 

Evoluímos tecnologicamente e permanecemos com a mesma necessidade. Olhamos para os céus e nos questionamos o que há além. Saímos de nosso planeta e alcançamos a Lua, em breve alcançaremos Marte em uma missão tripulada, e continuaremos superando as barreiras de conhecimento e as distâncias espaciais. Queremos explorar o universo e, quem sabe, povoá-lo, seja para obtermos mais recursos, seja para termos um lugar mais habitável para viver, por não cuidarmos de nosso planeta, ironicamente. 

É com esse espírito que John Scalzi nos leva a explorar um mundo em que a conquista espacial humana é uma realidade, através do olhar de um soldado, John Nicholas Perry, desde seu alistamento às Forças Coloniais de Defesa (FCD), passando por sua transformação em uma máquina de batalha, e o confronto, muitas vezes brutal, com raças alienígenas variadas. O objetivo é um só: colonizar e manter sob o domínio da Terra o máximo de planetas. 


Nessa realidade, os humanos podem optar pelo alistamento às FCD aos 75 anos, ou permanecer no planeta Terra até a morte. O autor não nos explica exatamente o contexto geopolítico do mundo, mas é perceptível que houve uma ou mais guerras, e que alguns países foram seriamente afetados, havendo um grande contingente sem recursos e que, exatamente por essa razão, é enviado para as colônias (nesses países mais pobres, muito antes dos 75 anos). 

As FCD são comandadas pela União Colonial, uma entidade independente no planeta Terra e com tecnologia exclusiva, que não é reproduzida por nenhum país e, por essa superioridade, é aceita por todos os líderes mundiais, não sem um certo descontentamento. A origem da União não é explicada, o que cria um interessante enigma, possivelmente a ser explorado em futuras obras.

John Perry decide se alistar. Sua esposa faleceu há 8 anos e seu único filho finalmente encontrou um caminho na vida, o que deixa John sem nada que lhe prenda à Terra. Sabe que, ao ingressar nas Forças Coloniais de Defesa, entregará seu destino ao serviço militar, porém também terá a chance de voltar a ser jovem, uma promessa da União Colonial, além de se sentir vivo novamente.

Desse ponto em diante, é notável a capacidade do autor em criar cenários futuristas e grandiosos, seja na visão do interior das naves das FCD e na observação humana do espaço, seja na criação de novos universos, tornando essa obra uma experiência imaginativa fantástica. A descrição da ascensão de naves elevadoras da Terra, transportando pela primeira vez os alistados em direção a uma nave espacial de alojamento das Forças Coloniais de Defesa nos mostra que estamos prestes a ver uma realidade tecnológica muito além de nosso estágio atual mas, por que não, plausível de ser alcançada um dia, se considerarmos a velocidade exponencial de inovações e rupturas científicas que presenciamos no século XXI.

Ao chegarem ao alojamento, os alistados devem seguir uma rotina de procedimentos de avaliação médica e psicológica. Nesse momento, começam a ser estabelecidos os laços de amizade entre os futuros soldados, e somos apresentados aos personagens que serão amigos de John ao longo da sua jornada no espaço. Há uma pequena queda no ritmo da obra e a aproximação entre os personagens é um pouco forçada, com a quebra de “gelo” entre as pessoas ocorrendo com exagerada rapidez, entremeada por piadas que não seriam comuns entre humanos que se conheceram há poucos dias. Porém, nada que se estenda por muitas páginas, e logo evoluímos para a etapa seguinte, de rejuvenescimento humano, esse sim um grande momento.

Aqui, a forma como o autor apresenta a solução que permite a um humano de 75 anos ter o corpo renovado surpreende, e Scalzi faz questão de explorar passo a passo a transformação de John Perry, além de explicar com precisão tudo o que o “novo” corpo é capaz de fazer, projetado em cada membro e órgão para dar a máxima força e resistência. O autor usa também da inteligência artificial, ao colocar em cada soldado um sistema interno de comunicação, armazenamento e processamento de dados, que dialoga com o humano e evolui conforme o conhece. O autor tem um fascínio em explorar como a tecnologia pode modificar o ser humano, inclusive nos aspectos físicos.


Em seguida, somos lançados ao treinamento intenso dos soldados e, por fim, às batalhas nos planetas, e aqui o autor constrói a personalidade de liderança de John Perry, que surge em um misto de sorte e talento, o que o faz se tornar um soldado destacado. A clareza na apresentação do campo de visão do personagem nas etapas de treinamento e nas batalhas nos faz sentirmos como se estivéssemos acompanhando os acontecimentos com os nossos próprios olhos, com uma câmera em primeira pessoa. É possível entender o posicionamento dos batalhões e dos companheiros de pelotão, a movimentação e a força de ataque dos inimigos, o ambiente em que estão inseridos e a proximidade do perigo no campo de guerra. 

Caminhamos juntos com John, vemos suas reações aos ataques e as soluções que encontra em momentos de alta pressão. Há muitas coisas acontecendo em campo, e Scalzi é hábil em nos mostrar tudo isso de forma coesa, sem se estender em longas explicações, para que continuemos na velocidade em que ele deseja que estejamos, a de um soldado lutando pela sua vida e de seus companheiros. A narrativa tem um caráter cinematográfico, com uma sequência de cenas que fluem em um ritmo agradável, e momentos emocionantes que fazem o livro ser bastante adaptável para as telas.

Conhecemos uma boa variedade de alienígenas, das mais diversas formas e graus de inteligência e agressividade. Estamos em uma disputa estratégica de planetas com diversas raças, sendo que a quase totalidade delas é inimiga dos humanos. Há poucas alianças, porém o mais intrigante é saber que, a cada novo planeta, não há como prever o que encontrar e, portanto, todas as experiências acumuladas pelo exército humano ao longo de décadas pouco significam nesse momento, trazendo riscos imprevisíveis aos soldados.

O autor consegue nos apresentar as características físicas dos alienígenas, sem descrever muitos detalhes, mas com o suficiente para que completemos as imagens de acordo com a nossa imaginação. É um exercício delicioso de criatividade, em que o leitor tem a liberdade de enxergar as raças por seus próprios olhos. E como explicar a nós a forma de um alienígena, se nunca tivemos um encontro com qualquer um até hoje? Scalzi usa principalmente animais, com muita destreza, como referências para que construamos a visão de cada raça, como em um mosaico em que as peças se encaixam, formando seres às vezes belos, às vezes assustadores. 

Outro importante aspecto explorado é que as aparências dos alienígenas não refletem os comportamentos que nós esperaríamos deles. Um alienígena com um aspecto que, aos nossos olhos, pareça abominável, pode na verdade ser dotado de grande inteligência e sabedoria, e ser pacífico, enquanto que outra raça, que nos pareceria bela e dócil, pode ser extremamente violenta e amante de um churrasco humano. No espaço, nossos padrões interiorizados de beleza e feiura não são os mesmos, e os soldados precisam vencer os preconceitos enraizados, para que não tomem uma decisão errada no meio de uma guerra. 

Ao acompanhar a jornada de um soldado comum que, graças a sua perspicácia e visão estratégica, consegue progredir rapidamente a postos mais elevados, vemos a predominância da cultura militar na história humana. Em um momento de desilusão e desconcerto em relação às suas atitudes, John questiona a escolha dos homens por ações militares e não pela negociação e diálogo. Ele enxerga em outra raça uma superioridade cultural e, até mesmo, espiritual, visão essa que não é compartilhada pelos altos escalões do poder das Forças Coloniais de Defesa. Na dúvida, optamos por atacar e destruir outras civilizações por completo, antes de entendê-las. O objetivo de expansão e dominação está acima de tudo. 

O autor não critica diretamente o militarismo e não se detém por muito tempo no tema, porém é capaz de manter sutilmente viva a questão, acima do centro narrativo da obra, para que não nos esqueçamos de que há algo de errado nessa empreitada humana. Em meio à brutalidade do meio em que estão inseridos, resta aos soldados proteger uns aos outros, mantendo uma pequena luz de humanidade.


Durante a sua caminhada, John Perry terá a sua capacidade de sobrevivência testada aos limites, além de um encontro marcante com um personagem, que lhe fará reavaliar seus objetivos de vida, em mais um grande acerto do autor.

Se, por um lado, a obra nos enche de esperança de que um dia possamos conhecer novos mundos e descobrir até onde podemos chegar como uma raça universal, também faz com que pensemos se estaremos de fato evoluindo no que mais importa: em nossa capacidade de enxergar o que é diferente não como algo a ser dominado, mas sim a ser entendido e harmonizado, como uma oportunidade de nos tornarmos, afinal, o que devemos ser, humanos.

No meu aniversário de 75 anos, fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois entrei para o exército.

Nota: 5/5★
Livro no Skoob: Guerra do Velho

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