Persépolis - Marjane Satrapi

Quando nós lemos uma resenha de um livro, HQ, filme, queremos saber, mais que tudo, se vale a pena investir nosso tempo naquela obra. Desejamos rechear a nossa existência com histórias que nos emocionem, que nos façam refletir e, por fim, que nos marquem com uma mensagem poderosa. 

Nesse contexto, Persépolis, da escritora iraniana Marjane Satrapi, é uma obra digna de leitura. Um verdadeiro triunfo da humanidade e da capacidade de resistência em tempos de trevas. 

A história cobre o período de 1979 a 1994, e é uma autobiografia de Marjane Satrapi, então com 10 anos em 1979, na qual a vemos atravessar a sua infância, adolescência e a juventude. Somos apresentados ao contexto intelectual de sua criação, em uma família de posses e com engajamento político. 


A obra demonstra de forma ampla o período da Revolução Islâmica quando, em 1979, ocorreram confrontos populares movidos por um desejo de mudanças no regime até então vigente do xá, que prometia a modernização do Irã, porém só elevou as diferenças sociais. A forte pressão levou à fuga do xá e à esperança de implantação de uma nova república, que fosse de fato voltada ao povo. 

Entretanto, o que parecia um sonho de mudança se transforma em um pesadelo, com a intensificação da dominação dos radicais xiitas, que implantam um modelo teocrático, com repressões severas a quem se opusesse às novas regras de comportamento, consideradas sagradas. 

De forma muito inteligente, Marjane nos apresenta logo ao início da obra ao momento da implantação da obrigatoriedade do véu nas escolas. Nada melhor para capturar de forma universal os diferentes leitores, pois o véu é o símbolo máximo da repressão humana e da extinção da individualidade da mulher, sem dúvida muito mais afetada que o homem.


O objetivo do regime teocrático era simples: moldar todos para serem apenas um, como uma máquina de moagem faz com a carne, de forma que os cidadãos fossem tementes aos líderes religiosos. E para isso, contaram com uma força militar de repressão, os Guardiões da Revolução, que começaram com homens e depois avançaram para recrutar também as mulheres. As repressões iam de prisões perpétuas a torturas e a mortes incontáveis. É notável como Marjane padroniza os rostos dos Guardiões, para demonstrar como todos pensavam e agiam da mesma forma, e o terror que disseminavam na sociedade.

O véu é só a ponta de uma série de medidas que soavam tão absurdas, que em diversas vezes foram usadas por Marjane como momentos cômicos. Nesse ponto, Marjane acerta ao não manter um tom sombrio permanente na obra e, a partir de seu enfrentamento corajoso aos extremistas, temos alguns momentos de alívio, que servem também como reflexões importantes sobre os acontecimentos. 

E, como a autora bem mostra, radicalismos não são um privilégio do Irã. Uma passagem importante do livro é a viagem de Marjane para a Áustria, para estudar em um liceu francês, aos 14 anos. Ela é estimulada pelos pais, que veem esse movimento como única saída para um Irã cada vez pior, em meio inclusive à Guerra com o Iraque. Na Europa, Marjane tem dificuldades para fazer amigos e se sente tratada como cidadã inferior. Sofre com o espelho em si da imagem do Irã impregnada na mente ocidental, de um país antes rico e culto e, após a Revolução, de um símbolo de retrocesso e terrorismo. E então a autora observa que não há lugares livres de pessoas radicais na religião e preconceituosas por qualquer motivo. 

No campo estético, os traços e a criatividade da autora em expressar ideias e sentimentos pelas imagens são únicos, capazes de flutuar rapidamente entre a leveza de uma festa e a explosão de ódio de um radical. A escolha do desenho em preto e branco é acertada, primeiramente para demonstrar a escuridão intelectual, social e política da época, e também para potencializar a disparidade entre a luz e as trevas humanas, a esperança e o desânimo, a alegria e a tristeza. 


Como única ressalva, vejo que a autora passa rápido demais pelo período de clímax da história, em um ponto crucial de reflexão sobre a sua vida. Um pouco mais de cuidado teria feito jus ao grande trabalho do livro como um todo.

Em resumo, Persépolis é uma história universal, do poder de resistência frente aos radicalismos de todos os tipos. É também o relato da construção da identidade humana, do enfrentamento de dúvidas e do amadurecimento para as escolhas políticas, religiosas, sociais e amorosas. 

A arte, como em Persépolis, pode não mudar um regime ou uma sociedade de imediato, mas pode nos inspirar a ações concretas, dia a dia, de reafirmação de nossas individualidades e de resistência aos preconceitos e repressões de qualquer natureza. 

Na vida, você vai encontrar muita gente idiota. Se te ferirem, pensa que é a imbecilidade deles que os leva a fazer o mal. Assim você vai evitar responder às maldades deles. Porque não tem nada pior no mundo do que a amargura e a vingança...seja sempre digna e fiel a você mesma.

Nota: 4,5/5★
A HQ no Skoob: Persépolis

2 comentários:

  1. Que livro interessante, uma autobiografia narrada em quadrinhos!! Marjane Satrapi soube lidar com suas dores, frustrações, ficar longe da família, e tudo isto narrado com uma pitada de humor!! Sem dúvida a história de vida dela nos serve de lição, de inspiração!! Pelo que pesquisei tem um filme sobre a autobiografia Marjane Satrapi!!

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    1. Olá, Francisca, tudo bem? É uma história fascinante e que permanece muito atual, infelizmente! Sim, há um filme, dirigido por Vincent Paronnaud e pela própria Marjane, indicado ao Oscar de melhor animação em 2008. A autora foi a primeira mulher a ser indicada nessa categoria. Embora eu considere a HQ superior, é um filme que deve ser assistido!

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