A Lucidez da Lenda: Um ensaio sobre o futuro – Raul de Taunay


Bisneto do Visconde de mesmo sobrenome e com longa carreira como diplomata, Raul de Taunay divide seu tempo entre as ações em nome do Itamaraty (atualmente está listado como chefe da Embaixada do Brasil na República do Congo) e a escrita. Em seu mais novo livro, A Lucidez da Lenda – Um Ensaio Sobre o Futuro (Editora Pandorga, 2017), sua prosa oscila entre o rebuscado e o simples, com personagens cheios de camadas, como a protagonista Antônia dos Anjos, outros com sobrenomes maravilhosos, como Wilberto Laráppio, e um vilão digno de James Bond, o frio Jack Stealler. 

Se Arthur C. Clarke, famoso escritor de ficção científica, e Chico Mendes, um dos principais ativistas políticos e ambientalistas da história do Brasil, tivessem tido um filho, este seria A Lucidez da Lenda. O autor, ao retratar, de forma puramente ficcional, o que pode acontecer se as grandes corporações e países desenvolvidos desejarem tomar a Amazônia para si, cria sim um ensaio sobre o futuro, como o próprio subtítulo diz, mas, principalmente, faz uma reflexão profunda sobre o quão importante é a Amazônia para o Brasil e para o restante do mundo agora e como o pulmão do mundo está sendo mal cuidado (vamos voltar neste ponto mais a frente). 

Os protagonistas são um show à parte. Stealler, um vilão ganancioso com pinta de asqueroso, que só quer ganhar mais e mais, é a epítome do capitalismo enquanto sistema social. Antônia dos Anjos, adolescente com dons divinos, está envolta entre a visão cristã da santidade e a visão indígena da Gaia, a Deusa-Mãe, a quem outros deuses falam, a quem os homens ouvem. Ela, por meio de um chamado de Deus, é o elo entre o místico e o real, é a ponte que busca unir o povo brasileiro contra a Federação liderada por Stealler (união de multinacionais, em busca de um perpétuo poder e enriquecimento). É ela quem une todas as pontas e é por meio dela que outros personagens se unem à luta. Antônia, porém, apesar de uma personagem bem construída, perde em destaque para Stealler, cujo mau-caratismo é palpável.

A história tem um começo interessante, mas, de imediato, não me atraiu. Levei meses para ler, passei por outros livros, séries de televisão e maratonas no Netflix até decidir retomar. Achei uma leitura maçante. Uma pena eu ter perdido esse tempo, pois o segundo e o terceiro atos são muito melhores que o primeiro. Neles ficam claras as intenções de todos os personagens e a introdução de novos personagens, como o jornalista André (jornalistas idealistas são uma excelente válvula de escape em histórias como essa, mas, aqui, o recurso é muito bem empregado – André faz sentido na história) e a jovem idealista Bonnie (reparem na passagem em que Bonnie e a mãe fútil, Ellen, são informadas pelo pai, James Smartt – reparem nos sobrenomes incríveis mais uma vez – que irão morar no Brasil. Seria cômico se não fosse triste e realista). Antônia dos Anjos, aqui com contornos mais definidos, deixa a ingenuidade de lado quando precisa (mas se mantém ingênua na essência, sem ficar caricato). A ala indígena, representada pelo jovem Tapunuê e seu pai, o sábio curandeiro Ammos, trazem, para a história, a força e a virtude do indígena brasileiro, a resiliência de um povo antigo em meio às modernidades.

É importante falarmos da reflexão a que a história se propõe. Ao imaginar um futuro onde os países do hemisfério norte são ricos, onde o Brasil ainda é confundido com outros países da América Latina e onde a grande riqueza que temos são os recursos naturais, é fácil imaginar que este futuro pode ser 2050 ou 2019. Taunay busca romantizar os fatos, o que enriquece – e muito! – a história. Antônia poderia ser uma adolescente paulistana, carioca, gaúcha ou piauiense, mas, por ser amazonense, traz, no gene, a luta de Dorothy Stang, de Chico Mendes, e de outros ambientalistas que lutavam, não só em prol da região amazônica como de todo o riquíssimo ecossistema brasileiro. A amizade entre ela e Tapunuê e, posteriormente, entre ela e o jornalista cosmopolizado André mostram uma personagem bem definida em seus ideais. Ela, mesmo com contornos divinos, traça um caminho que a já citada Irmã Dorothy, por exemplo, também trilhou. A busca pelo bem e pela proteção da terra se mostram um acerto da narrativa (o vilão é um vilão, a mocinha é uma mocinha. O bem e o mal em embate, o mal sempre aparente, o bem, sempre espalhado). 

Existem pontos fracos, obviamente. A história é bastante longa, apesar de narrada em curtos capítulos. Entendo a necessidade de um texto longo (contextualizar o futuro nem sempre é um trabalho fácil), mas um pouco mais de coesão talvez tivesse deixado a narrativa mais fluída. Obviamente, um autor nunca deve facilitar o texto em prol do leitor, mas, se mais fluido, uma história com tanto potencial reflexivo poderia ser indicada, até em salas de aula, para um público mais jovem (adolescentes acima dos 15 já compreenderão a história, mas podem não se interessar em virtude da forma como fora escrita). De qualquer forma, vale a indicação. A mensagem de Antônia, sempre clara, traz passagens bonitas ao texto. Uma delas, uma lição para a vida:
Nosso Pai falou comigo algumas vezes nesse último dia. Disse-me que os tempos sempre foram os mesmos, assim como a s contradições de nossa condição humana. Nada mais somos do que a unidade dos contrários: somos generosos e egoístas, confirmantes e pessimistas, sapientes e ignorante, equilibrados e dementes; temos altos e baixos, que nos aproxima ou nos afastam de nosso Criador. A referência, a unidade, está no amor.

Nota: 4,5/5★
O Livro no Skoob: A Lucidez da Lenda

2 comentários:

  1. Belíssima a sua análise. Me tocou profundamente.
    Grato do fundo do coração.
    O autor,
    Raul de Taunay
    raultaunay49@gmail.com

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    Respostas
    1. Estimado Raul,
      Obrigada por seu comentário. Para mim, foi um prazer!
      Nós, do EntreLinhas Fantásticas, agradecemos seu carinho.
      Abraços,
      Fernanda

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