Em Águas Sombrias - Paula Hawkins

Após o estrondoso sucesso de público e crítica com “A Garota no Trem”, Paula Hawkins retorna e demonstra ser uma das grandes escritoras atuais de suspense, sabendo explorar os dramas e traumas humanos com emoção.

A autora declarou em entrevistas que o seu intuito é explorar como as pessoas se comportam e como se recuperam, ou não, de experiências traumáticas. E para isso, ela constrói as histórias dando vozes a muitos personagens, tornando a leitura densa e, mesmo assim, incrivelmente deliciosa e difícil de resistir, o que gera algumas horas a menos de sono de seus leitores, e isso será bom para você, leitor.


“Em Águas Sombrias”, a autora consegue manter o mesmo primor e tensão de seu último sucesso, chegando a superá-lo. E, da mesma forma que o antecessor, será adaptado ao cinema. Já estou aguardando ansiosamente!

Não espere demonstrações explícitas de corpos e sangue para gerar o medo em suas obras. Mas esteja pronto para mergulhar em um terror mais sutil e profundo, aquele que se encontra no interior do ser humano, capaz de provocar reações imprevisíveis.


Como no outro livro da autora, entendemos os acontecimentos pelas diferentes perspectivas dos personagens, conhecendo os seus pensamentos, dilemas e traumas, em uma escrita em primeira pessoa. Dessa vez, são onze (!) narradores envolvidos na investigação do suicídio (ou não) de Nel Abbott e a relação desse evento (ou não) com outras mortes trágicas recentes de mulheres no misterioso Poço dos Afogamentos, região perigosa do rio local, na fictícia cidade de Beckford.

Tudo aponta para suicídios em cadeia, mas a verdade não parece tão simples, fazendo crescer a atmosfera enigmática da cidade e de seus moradores. Nesse cenário, a personagem que recebe maior destaque é Jules Abbott, irmã de Nel, que deixou a cidade e evitou contato com a irmã por muitos anos. 

A opção pluralizada de narrativa é um desafio adicional para a autora, além de um desafio ao leitor, para refletir sobre as peças que estão sendo movimentadas em um grande tabuleiro desse jogo de suspense de Hawkins. Em uma entrevista, a autora declarou que, para escolher quem narraria qual evento no livro, precisou testar relatos por diferentes personagens, até escolher a narrativa que lhe deixasse mais satisfeita. 

Há uma sensação de que o leitor possa estar dialogando com um assassino ou com, no mínimo, alguém suspeito de acobertar fatos relevantes para a investigação. Ninguém é confiável e praticamente todos têm motivos para odiar Nel Abbott.

Nessa narrativa, o rio que permeia a cidade é um imã que atrai tudo, e serve como uma metáfora para o que está na superfície e o que se esconde nos seres humanos. Por meio do rio, o livro tece como as memórias não são necessariamente retratos fiéis dos acontecimentos, e que podem ser moldadas pelas pessoas. Mas, como um rio, nem sempre as águas do ser humano aceitam a calmaria e podem se revolver, trazendo de volta o que se acreditou ter deixado para trás. Nesse sentido, os personagens farão descobertas incômodas, fincando outro ponto importante da obra: o quanto conhecemos alguém de verdade? Conviver e conhecer de verdade costumam ser extremos de distância infinita.


O clímax não é tão impactante ou ameaçador como em “A Garota no Trem” e talvez seja o único ponto fraco do livro, pois eu não senti uma grande ameaça ou uma situação de alto risco aos personagens. Por outro lado, essa ausência se explica no fechamento do livro, com uma revelação derradeira, que ficará em sua mente por um bom tempo.

“Em Águas Sombrias” é a obra de uma autora que demonstra ter ainda muito a nos oferecer. Tratando de temas duros, como a violência contra as mulheres, amores proibidos, traumas de infância e conflitos familiares, ela consegue nos fazer refletir sobre a complexidade da existência humana e dos pesos que carregamos e nem sempre conseguimos largar.

Em um trecho do livro, um dos personagens reflete que o rio pode voltar ao passado, trazer coisas à tona e cuspi-las na margem diante dos olhos de todos, mas as pessoas não podem, elas precisam seguir em frente.

Às vezes, não há como prosseguir enquanto não se acertar as contas com o passado.

Citação: “Beckford não é um local de suicídios. Beckford é um local para se livrar de mulheres encrenqueiras. ”

Nota: 4,5/5★
O Livro no Skoob: Em Águas Sombrias

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