O Homem que Passeia - Jiro Taniguchi

Esta HQ é uma joia rara, esperando ser tocada por você. 

A história é desenhada por Jiro Taniguchi, considerado o “poeta do mangá”. Faleceu em 2017 e, em seus 69 anos de vida, conquistou muitos fãs em todo o mundo, com histórias profundamente humanas. 

Em “O Homem que Passeia”, acompanhamos o protagonista (sem nome) em suas caminhadas pelas ruas de sua cidade, em diferentes dias, sem um objetivo ou mesmo um destino de chegada. Nesses passeios, ele interage com o mundo ao redor, promove mudanças e se deixa mudar. Mergulha (às vezes literalmente) em diferentes águas, sem saber onde terminará, mas sempre com esperança e um sorriso no rosto.


Nessa jornada, vamos compartilhando sensações com o personagem. A natureza, as pessoas, os animais, as casas, as construções estão todas espalhadas, aguardando o olhar desse homem, e o nosso. Se não enxergamos, não muda o fato de que há vida ao redor, pronta para ser apreciada. 

O protagonista observa as pessoas e as ajuda, seja com uma postura ativa ou simplesmente como um ouvinte. Cabe ressaltar que essa é uma obra de poucos diálogos.

Ele encontra objetos simples e abandonados, que parecem em desuso ou inúteis para outros, os “acolhe”, conserta e devolve ao mundo. É um desejo de renovação, de dar sentido à vida, por meio de transformações mínimas talvez ao olhar externo, mas de grande significado para aquele homem.

Em vários momentos da obra, o personagem observa as situações por diferentes ângulos, com visões novas e refrescantes de um mesmo local ou situação, como em uma passagem em que sobe em uma árvore para resgatar às crianças um brinquedo preso nos galhos, e decide contemplar a cidade em uma vista do alto. Ou quando tem seus óculos quebrados, e descobre com isso a chance de ver a realidade em outras cores e tons. 


A visão positiva do personagem é admirável e se destaca nos momentos banais, que muitas vezes nos irritariam e tirariam o humor (pelo menos para mim), como tomar uma chuva inesperada ou ter a camisa rasgada por um galho de árvore. O protagonista abraça o que lhe acontece, tudo faz parte de sua vida e lhe ensina algo.

O uso de onomatopeias (sons por meio de textos) é marcante e ajuda a dar o ritmo adequado de contemplação da obra, pausado, como o caminhante. Os sons vibram enquanto nos imaginamos naquele momento; eu me senti em diversos momentos ouvindo os pássaros, as árvores, o sopro do vento.

Mas não pense que essa é uma obra somente de alegrias e sorrisos. Nem todas as caminhadas são felizes, como na vida. Alguns capítulos são sufocantes, algo não está bem com o protagonista, e a caminhada não é mais uma descoberta, e sim uma fuga. São momentos duros pelos quais todos passamos, que nos levam ao limite, em uma dor que não é possível de ser explicada a ninguém.

Muitas reflexões surgem nessa obra: o quanto estamos atentos ao mundo, às pessoas? O quando estamos vivendo plenamente, como mestres de nossas vidas, ou simplesmente navegando à deriva em nosso mar particular, sem encontrar um porto seguro? Você já se deu a oportunidade de simplesmente estar presente em um momento, ou está sempre pensando no passado ou no que virá a seguir?

Não sabemos quanto tempo se passa em cada caminhada, apenas temos algumas eventuais mudanças nas tonalidades, indicando a passagem de dia para a noite. O ponto principal é que, para se apreciar o mundo, é preciso de tempo, de entrega ao universo, sem pensar em resultados em tudo o que se faz. Assim como é preciso calma para se apreciar essa obra. Não leia rápido, saboreie! É preciso se deixar levar, apreciando o momento, em cada quadro do mangá. 

E por falar em quadros, o grau de detalhes, a precisão e o realismo dos desenhos são sublimes. Sem dúvida, Jiro Taniguchi é um grande observador, como o homem que retrata em sua obra.


Como único ponto que não gostei, foi exatamente a falta de uma história com início, meio e fim, com capítulos encadeados, e de saber mais sobre o protagonista: como é a sua vida, quais os seus desafios, por que sofre? Entendo que seja proposital e que o autor queira acentuar o caráter universal da história, ao nem mesmo dar um nome ao personagem, mas algumas informações a mais não teriam prejudicado a mensagem principal.

Ao final, há três histórias separadas de Jiro Taniguchi, sem relação com a obra central, e com a introdução de outros personagens. 

São breves contos, diferentes na forma, com um misto de realidade e fantasia, porém abordando igualmente a caminhada como um meio de alcançar o despertar interior e resgatar a essência humana, o verdadeiro eu. Não achei a qualidade desses contos tão alta quanto a história central da obra, mas não deixa de ser uma leitura agradável.

Enfim, uma obra fascinante, uma reflexão profunda sobre o exercício do olhar verdadeiro ao mundo, que nos estimula a uma busca por uma vida mais simples e, por isso mesmo, plena. 

Nota: 4,5/5★
O Mangá no Skoob: O Homem que Passeia

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