Na Vida Real - Cory Doctorow & Jen Wang

Essa foi uma HQ que eu queria demais ler já tem um bom tempo e que me deu um belo de um trabalho para encontrar, pois estava esgotada em todos os lugares. Foi com muita alegria que, graças a um funcionário extremamente gentil e competente da loja Comix que mergulhou em meio ao caos de prateleiras da Bienal do Livro deste ano para me ajudar, pude então finalmente comprar essa belezinha do selo Jupati Books da editora Marsupial.

“Na Vida Real” conta a história da jovem e tímida Anda que, através de um jogo de MMRPG, o Coarsegold Online, vai descobrir mais sobre o mundo e sobre si mesma. Como muitos adolescentes, Anda tem dificuldade de se encaixar na escola onde estuda e, então, vê no convite para fazer parte de uma guilda formada apenas por mulheres uma oportunidade para ser quem e aquilo que ela quiser e fazer amizades em todos os cantos do mundo.


Peraí, peraí… Você disse uma HQ com protagonista feminina, com uma premissa que envolve o mundo gamer e um tom feminista, além de uma capa linda? Sim, eu já estava fisgada.

A primeira coisa que me saltou aos olhos, são os traços maravilhosos de Jen Wang e a belíssima paleta de cores que me impressionou bastante. Dá mesmo uma vontade imensa de ficar admirando cada desenho e absorvendo a sensação de movimento que eles produzem, em especial a maneira harmoniosa como ela usa as cores e os cabelos para criar esse efeito. É o exato tipo de traço que me agrada e sempre chama minha atenção.



A maior parte de nossa equipe aqui no EntreLinhas é formada por mulheres, ao menos metade de nós joga videogame com regularidade e todas nós já discutimos mais de uma vez como o mundo gamer é ainda extremamente machista apesar de nós sermos maioria (aqui no Brasil, por exemplo, 58,9% dos jogadores são do sexo feminino). Assim, a segunda coisa que me ganhou na HQ foi justamente uma alusão a essa discussão do aumento do número de jogadoras em dissonância com as dificuldades que persistem em rodeá-las devido ao sexismo no meio, o que leva muitas delas a jogarem com avatares masculinos para evitar certos incômodos – eu mesma jogo online com avatar masculino e off-line com avatar feminino. Assim, não é difícil entender quão atraente foi à Anda a ideia de um ambiente virtual acolhedor no qual ter a liberdade de ser quem quiser e ao mesmo tempo você mesma, especialmente se considerarmos que ela, como qualquer ser humano, anseia por isso na vida real sem saber ainda como alcançar. Além disso a sugestão feminista, e talvez um pouco sutil, sobre os benefícios da relação entre a sororidade e o aumento da confiança da mulher como indivíduo é certamente outro ponto bastante positivo desta publicação.

Entretanto, feminismo e mundo gamer sendo grandemente parte dessa história não são ela toda, provavelmente o maior foco é a dura compreensão de que outras realidades destoam tanto da nossa a ponto de nos fazer questionar aquilo que outrora tínhamos como certo e errado ao confrontar a nossa própria percepção de justiça, subvertendo a ideia muitas vezes inocente e quase sempre privilegiada de que o mundo é sempre definido em preto e branco. Eu esperava, como o título sugere, um paralelo entre o mundo virtual e o real, mas nunca parei pra pensar nele da maneira como essa HQ me fez pensar. E essa, senhoras e senhores, é uma premissa bastante ousada para se abraçar numa história como essa, uma que me surpreendeu e foi tratada de forma delicada e criativa.


Dito isso, infelizmente senti falta de um maior desenvolvimento. Sinto que havia necessidade de mais desenvolvimento em especial dos personagens secundários e das tramas apresentadas. Tantos assuntos relevantes sendo articulados ao mesmo tempo de maneira surpreendentemente harmoniosa acabaram sendo discutidos de uma forma mais superficial do que eu gostaria e/ou esperava. Acredito que mais páginas ou talvez um segundo volume poderiam fazer de uma ótima história, uma excepcional, e dar bem mais alcance a essa voz que o autor despertou. Tive a sensação de que uma narrativa como essa, com assuntos tão universais, faz realmente muito mais sentido para nós que vivenciamos de certa forma o meio que constitui o pano de fundo da história, pois acabamos que involuntariamente preenchendo as lacunas.

Ainda assim, “Na Vida Real” foi uma bela surpresinha com a qual topei pelo caminho, uma que reuniu de forma bela e peculiar vários assuntos que me interessam de uma maneira bastante particular. Essa é, sem dúvidas uma história bastante diferente e gostosinha de ler, repleta de momentos fofinhos que aquecem o coração.

Nota: 4/5★
A HQ no Skoob: Na Vida Real

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