Sobre tudo e todas as cores


Vou começar essa crônica com um jeito diferente, vou deixar aqui duas mini-descrições e quero que vocês criem ~e guardem~ a imagem das personagens, elas precisam estar bem nítidas. Deixe sua imaginação fluir.

Descr. 1: “(...) Tinha um tom de voz mandão, os cabelos castanhos muito cheios e os dentes da frente meio grandes.”

Descr. 2: O vento batia em seus volumosos cabelos cacheados. Fechou os olhos e sentiu o calor do sol de primavera tocando sua pele - aquele momento de apreciação durou alguns poucos segundos, ao abrir os grandes olhos castanhos corou. Estava sendo observada.

Cores, cores e historias ♥
Vocês conseguiram imaginar ~fisicamente~ essas personagens? Acredito que posso dizer que a grande maioria não imaginou que elas poderiam ser negras. Relaxe, na maioria das vezes nem eu imagino.

Vocês já sabem de como gosto de me encantar com as personagens e mergulhar em histórias diversas, mas hoje eu vou falar de outro tipo de identificação, quando você se vê na personagem, quase como num espelho. Há uns anos eu tenho procurado sobre o protagonismo negro nos livros (e em outras mídias também) e assim como no “mundo real” esse protagonismo é pouquíssimo explorado. Quase não se tem personagens negros nos livros, quem dirá personagens principais tendo sua própria história fantástica, seu romance, sua ficção ou seu conto de fadas. 

Trouxe essas descrições para tentar fazer um “mini-teste” com vocês e mostrar como estamos condicionados a não pensar em um personagem negro ou com traços negros (cabelos afro, tom de pele escuro, etc)... Pelas condições não sei se consegui, mas faça um esforço e observe sua imaginação nas próximas leituras. A primeira descrição é de Hermione Granger, em Harry Potter e a Pedra Filosofal, e a segunda foi criada por mim, juntando alguns elementos para conduzir a imaginação. 

E por falar em Harry Potter, a lindíssima Emma Watson invadiu nosso imaginário quando se trata de Hermione, mas em nenhum momento o tom de pele dela foi citado, o que causou muito burburinho e indignação quando uma atriz negra foi escalada para representar a personagem na peça The Cursed Child. E chegaram a utilizar o termo “ruborizar/corar” para corroborar que ela “sempre foi branca na saga”, por isso utilizei esse termo na segunda descrição. Então, pessoas negras não ficam envergonhadas e/ou não se pode utilizar esses termos para indicar que ela ficou constrangida? Fica aqui o questionamento.

E a Temps, porque SIM! :D

Infelizmente, nós não estamos acostumados com a presença de personagens negros na literatura, não temos muitos destaques para protagonistas negros nem na nossa própria literatura. O que torna difícil assimilarmos esses termos e até mesmo cogitarmos que as personagens descritas podem ser negras, aliás quando criei a descrição pensei em uma mulher negra, sim! ;)

Aí entramos no outra questão, a imaginação. Somos induzidos inconscientemente a pensar nos atributos físicos de acordo com nossa bagagem histórica, literária, cinematográfica, de vida, etc. Ou seja, não é por acaso que  não cogitamos que essas descrições fossem de pessoas negras.  

Quantos livros com personagens principais negros vocês já leram? Forçando bem a memória, lembro de três histórias: Saga a Arma Escarlate, de Renata Ventura; Série o Espadachim de Carvão, de Affonso Solano (mas apesar da descrição ele tá mais para um extraterrestre do que para um negro rsrs) e O Sol Também é Para todos, de Nicola Yoon. E não consigo lembrar de outros.

Pois bem, a caixa de lápis vem com várias cores, os livros também podem ter várias cores, contos e protagonistas, longe de mim querer um mundo de gente que só pinta com uma cor, mas ainda é necessário garimpar as lojas e revirar caixas para podermos descobrir cores e misturas fantásticas. Então, é preciso desvendar o protagonismo negro também na literatura, tanto com personagens como autores, temos uma imensidão de histórias a serem descobertas e apreciadas, e é através desse protagonismo que entra a segunda ~futura~ parte dessa reflexão: o poder da representatividade. ♥

"(...) É minha vez de ficar vermelha." ~ Natasha, de O Sol também é uma Estrela - Nicola Yoon. Protagonista negra. :)

8 comentários:

  1. Amo essa liberdade de expressão do ELF.
    Sim, aqui seria um fórum infinito de discussões. As vezes, vamos discutir o universo fantástico... Ou, como esse universo imenso de fantasia, transmite a realidades em que vivemos...
    O criador de "As Crônicas De Gelo E Fogo" (me perdoe, mas não lembro o nome) já disse que os excessos de violência e selvageria de suas histórias, simplesmente transmitem o histórico do ser humano de ter atitudes totalmente inumanas. De, por um pensamento errôneo de superioridade, colocar irmãos de alma abaixo de si.
    Como o texto acima diz tão bem, nossa noção histórica, familiar, inconsciente, nos faz imaginar uma descrição que caberia para QUALQUER esteriótipo, como alguém próximo a nós. Mesmo quando não é explícito no contexto.
    Temos muito o que melhorar. Nossa geração está no começo de uma mudança... Talvez de uma igualdade.
    A esperança não pode ser perdida. Queremos tudo pra ontem (e essa mudança é uma que deveria ser pra semana passada), mas ela está acontecendo. A passos de tartaruga. Mas está...
    Nossa geração tem duas imensas responsabilidades: começar/recomeçar/continuar essas mudanças. E ensinar a próxima a ser melhor do que nós, e nossos pais.

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    1. Falou lindamente, Ci!
      Sim, ficamos chocados com a violência de GoT, mas o que o George R.R. Martin fez foi justamente isso, nos apresentou um espelho. No qual ninguém é totalmente bonzinho e nem mau. Vivemos nessa grande balança.
      É fato que avançamos muito, mas a estrada ainda é loooonga e não podemos parar, justamente para passarmos as próximas gerações essa noção de recomeço e ensinamentos! Claro, que muitas situações do dia-a-dia ainda nos desmotivam, mas temos que manter a esperança e lutar para que essa mudança positiva se espalhe e consigamos quebrar certos esteriótipos!

      Obrigada por participar do pré-teste, Ci e claro por esse comentário INCRÍVEL! ♥

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  2. Vamos começar com o final (rs):
    Sobre o "pré-teste", como diria o grande Andrew Martin: -"Isto fica feliz em ser útil.".
    Sobre o "incrível", você é suspeita. Seus elogios não contam... rsrsrs

    Acho que o ser humano está a milênios tentando ser mais, melhor, superior, perfeito. Algo que não somos capazes.
    Você colocou essa busca como uma balança. Cada pequena atitude diz pra que lado ela vai pender...

    Esse ano, em particular, tivemos grandes histórias e estórias no cinema. Situações vistas pelos olhos das -até então- minorias (que geralmente são, na verdade, a imensa maioria descriminada). Moonlight mostra o negro, pobre, e homossexual. Na sua cruz...
    Estrelas Além Do Tempo nos conta a história real (e já discutida aqui no ELF) de mulheres negras, numa época em que o racismo e o machismo não tinham nenhum disfarce, como tem nos dias atuais.
    A Cabana coloca a figura de Deus personificada em uma mulher negra (o que muitos diriam ser impossível de retratar).

    Como falei no primeiro comentário, estamos no começo das mudanças.
    Nossa história, como seres humanos, não tem um exemplo de igualdade. Não temos de onde tirar inspiração. Apenas nossos próprios ideais. Nossos próprios sentimentos de que algo tem que mudar, melhorar...
    Acredito que vamos cometer erros. Acredito que as futuras gerações vão olhar para nós, e nos tachar como ignorantes preconceituosos.
    Espero que eles façam isso.
    Significaria que chegaram no ideal de igualdade que hoje discutimos...

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    1. Hahahahaha meu elogio conta sim, senão os seus não vão contar! :p

      Sim, essa balança possível alta sensibilidade e tudo que fazemos vai acumulando em um dos lados do pratinho e faz a diferença no resultado.

      Nossa, você resumiu muito bem, o cinema, finalmente, está dando destaques para as "minorias" e dão um belo tapa na cara mostrando como apesar de muitas vezes atemporal, mostra a nossa sociedade, como o Martin fez em GoT. Uma frase que não lembro o autor "Eu conheci Deus e ela é mulher e negra!" :D

      Ah sim, os erros fazem parte do processo de mudança, temos muito que evoluir! E com certeza vão nos tachar! E não vão acreditar das notícias e manchetes que vemos atualmente.

      Vamos acreditando! Uma hora a coisa acontece e a gente vai se ver no meio dessa mudança! Espero! rs

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  3. OOOOOOOI

    achei o ponto bastante pertinente. De fato, infelizmente, falta essa visibilidade negra na literatura pra que todos sejam representados e se sintam protagonistas, afinal, QUALQUER UM PODE E DEVE SER PROGATONISTA!

    que lindo o funko *-*

    beijo
    beinghellz.com

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    1. Oiee Helllz!!

      Sim, falta mesmo! As coisas estão mudando, mas a passos lentos! Simm, todos podem ser protagonistas! =D

      Ahh a Temps é linda, né?! *-*

      Bjão e obrigada pela visita! ♥

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  4. Oi Denise!
    Eu adorei sua crônica, e estou aqui tentando me lembrar de mais obras. Consigo citar "O Mulato", obra clássica, e uma contemporânea "Duas Luas", de Bruna Longobucco. Não me recordo de nenhuma outra, e fiquei envergonhada mesmo ao constar que realmente, quando me deparo com as descrições de um personagem, dificilmente o imagino negro.
    Foi um texto excelente, irei compartilhar.
    Beijos
    http://lua-literaria.blogspot.com.br/

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    1. Oiee Bia!
      Sim, verdade! Havia esquecido de "O Mulato", "Duas Luas" eu não conheço! Vou procurar no Skoob!!
      Estamos muito condicionados a *não* pensar, nossa carga histórica faz isso mesmo! Eu mesma não imagino, estou tentando desconstruir isso justamente para quebrar essa barreira imaginativa! rsrs

      Muitooo obrigada pelo elogio, fiquei à vontade para compartilhar! ♥

      Bjs!

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